31 julho 2007

Das culpas e dos pecados

Segunda de Preguiça
Numa segunda-feira fria a preguiça é minha companheira.
Acordei pela manha e fiquei me revirando embaixo das cobertas quentinhas.
Hum! Que preguiça de sair daqui. Não quero trabalhar. Não quero compromissos.
Que esperem pela terça-feira.
Que esperem pelo dia de calor.
Que me esperem acordar.
Quero apenas ser e sentir. Nada de produtivo numa segunda-feira de frio.
Quero jiboiar, quero espreguiçar.
Dormir por mais tempo hoje.
Fazer os ossos estalar.
Sem culpa, sem preocupação.
Somente a preguiça envolvendo meu corpo.Sem pensar.
Bocejos, grunhidos na mais concreta das preguiças.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa!

Terça de Gula
Tâmaras, carnes, temperos.
Uvas, peixes e massas.
Pratos requintados ao som de Jazz.
Taças de cristal deitam vinhos perfumados.
Doces e confeitos, devoro sem culpa.
Sacio minha fome, sacio meu desejo. E ainda quero mais.
Melhores gostos, suculento paladar, aroma irresistível.
Ao som de Jazz, em mesa posta, me farto.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa!

Quarta de Avareza
As minhas posses são insolúveis
Guardo meu quinhão, que por direito recebi.
Tolos e frívolos definham em busca do prazer.
Guardei e sorriu para mim.
Prendi e dominei, sem culpa.
Estende a mão do poder o momento do acúmulo.
Potência em estoque.Reserva para não gastar.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa!

Quinta de Inveja
Mulheres correm aos seus braços.
As palavras fluem da sua boca.
Seus escritos são notórios.
Por tudo isso eu te invejo, sem culpa.
Por mais do que isso eu te invejo.
Por Amigos que dão bom-dia
Por sorrisos que de mim cobram preços.
E sobre tudo, tua simplicidade.
Eu te invejo.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa!

Sexta de Soberba
Não me ative a teu olhar.
Fora do espelho nada mais há.
Basta minha virtude. Sem culpa.
Nada espero de ti. O caminho eu sei de cor.
Sem medo de errar. Sem culpa.
Certo da minha eterna fortaleza.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa!

Sábado de Ira
Todo fel que puder destilar eu cuspo em um único grito!
Limpo minhas entranhas e não guardo a fúria.
Porque fúria engolida coroe o espírito.
Destilo em silêncio.
Cozinho em fogo brando. Sem culpa.
Para que seu sabor seja mais violento.
Sem piedade meu furor te destrói.
Sem culpa! Sem culpa! Sem culpa.

Domingo de Luxúria
Entrego-me sem culpa a tua pele, teus gemidos.
Os olhos fechados em busca do gozo.
Da permissividade do teu corpo.
Dominado para meu inteiro deleite, sem culpa.
O prazer da frívola volúpia.
Desta entrega sem pudor a todos que desejarem.
Por todos os lados. Sem culpa.
Gemidos e grunhidos.
Sem culpa! Sem culpa!Sem culpa!

Liandro J. Bulegon

28 julho 2007

Ana sem nome

Bem ali em baixo dos andaimes da reforma daquele prédio na Cidade Baixa onde a mulher atirou-se do sexto andar encontrei ela pela primeira vez.

Numa noite fria de inverno Porto Alegrense, daquelas que a umidade do ar faz os bueiros verterem vapor branco, borrifando o ar com minúscula gotículas de água.

Ela usava uma manta vermelha encobrindo parte do rosto, um casaco pesado de lã crua. Não lembro o que usava nos pés.

Ola, você é a Ana? A Ana do Chat? Perguntei, estendendo a mão para segurar aquela mão gelada que se pronunciava em minha direção.

- O vento fazia minhas orelhas doer.

Estou tão nervosa, é a primeira vez que faço isso. Eu também estou apreensivo, confessei. E por alguns segundos caminhamos sem ter consciência que caminhávamos nem pra onde nos dirigíamos. Só sentíamos que não poderíamos ficar ali, parados.

Olhando em volta meio que por instinto, como um bicho assustado tentando antecipar o ataque de um predador que se esgueira por entre ruelas e becos escuros – perguntou. Onde estamos indo?

Enquanto recobrávamos a lucidez andamos a esmo alguns intermináveis segundos. Depois que o coração desistiu de sair pela boca percebemos que nos dirigíamos para a rua da República. - Conheço alguns bares ali em frente.

- É, vamos! disse ela num sobressalto como se reconhecera algo de concreto entre nós além das mensagens que trocamos no ciberespaço.

Ótimo, um lugar comum no plano físico, na arquitetura da cidade, nos ângulos das casas velhas e dos edifícios quadrados. Referência sólida, espaço tridimensional, vida comum. Uma rua e um simples bar. Um bar que os dois conheçam, é isso que desejávamos agora.

Um bar com entrada lateral em forma de arco gótico e porta pesadíssima que rangiu ao ser aberta. Seu interior nada tinha a ver com a velharia que aparentava o lado de fora.

Um ar de fumaça, decorado com sutis toques orientais escritos nas paredes vermelhas em tinta preta “Paz é Guerra. Guerra é Paz”. Luminárias em bambu completavam o ambiente avermelhado. Espalhados entre as mesas redondas os mais diversos tipos de telas de computadores ligadas.

Ali no bar. O bar da estética dos dois mundos que se misturam numa harmonia perfeitamente concreta, permitiu toda a fluidez do Ciber, do volátil turbilhão das Info-vias aprisionado entre paredes. Ali, bem ali onde nos encontrávamos agora, os dois mundos estavam juntos. Pela primeira vez fisicamente.

Entramos, sentamos pedi um chocolate quente. Vou querer um também, apesar de calórico é bom neste dia de frio, disparou Ana.

Que loucura tudo isso. Tenho que revelar. Meu nome não é Ana. Esse é só o nick que uso para entrar nas salas de Bate-Papo. Gostei da sua sinceridade apesar de não ter dúvida alguma que usara pseudônimo. Não me surpreendeu!

Desculpe-me vocês. Em respeito a ela não revelarei o nome que me dissera naquele instante. Portanto seu nome é Ana, e a continuarei chamando assim.

Uso Ana como pseudônimo por não gostar do meu verdadeiro nome. É tão esquisito e todos o confundem. Aborrece-me muito ter que repetir várias vezes para que alguém possa compreender. Confidenciou enquanto levava a xícara fumegante até a boca.

“Hum”, é calórico! Mas ás vezes podemos nos permitir pequenos excessos. Confessou ela, inclinando delicadamente a cabeça para o lado, enquanto devolvia a xícara para a mesa.

Nossos olhares permaneceram juntos por mais tempo agora. E da expressão assustada dos minutos anterior só ficou a profunda negritude sóbria dos seus olhos.

Então! Estamos aqui um de frente para outro depois de teclarmos por horas a fio. Minha maior curiosidade foi saber como seriam seus olhos, cabelos, altura, peso....

Mas agora que te vejo e matei minha curiosidade tão rápido como um relâmpago, percebo a superficialidade desse desejo. Ao mesmo tempo em que satisfiz ele descobri que foram nossas idéias que nos trouxeram até este bar. Talvez a revolução que ainda vive em você, e que em mim já esta morta.

Falei em Lilit e do meu casamento rompido, meu filho e Cibercultura e da minha atração pelas cidades.

Ela de Cuba e das Brigadas de Trabalho, de um povo solidário e da injustiça que sofrem, que queria ser mãe e dos tempos de claustro, feminismo. Do fogo do ideal que ainda ferve seu sangue. Eu das minhas cinzas.

Tomamos Chocolate quente juntos.

Nos encontramos no outro dia. Ouvimos jazz, fumamos charuto, tomamos vinho, preparamos a revolução. Enterramos um pé do ideal na terra fértil, regamos com garoa fina. Reacendemos as cinzas.

E nuca saímos do bar fumaçento. Daquele lugarzinho onde esquentamos os ossos com uma xícara de chocolate quente. Sem passado sem presente. Apenas um ponto de contato entre a terra e as estrelas plantado ali no coração da Cidade Baixa.


Liandro J. Bulegon

27 julho 2007

Por que homens-meninos tremem

Um dia desses ainda vou descobrir o segredo do vinho – essa bebida sagrada que as deusas e os deuses se lambuzam quando é festa e quando não é. Vou descobrir por que todas as vezes que homens-meninos tomam o cálice entre os dedos começam a tremer. Talvez seja pela taça! Fininha, pendurada por uma haste comprida, transparente e delicada, como se o próprio toque fosse comprometer aquela fragilidade invisível que abraça a bebida.

Há que saber: se a bebida é sagrada não é preciso temer a quebra do cálice. O sagrado tem a força de proteger o que é cálido. O sagrado não é uma ventania que vem para assustar. É aquele abraço que cuida do coração, que enrola as lágrimas em um pedacinho de folha. É aquela lembrança que teima em ficar escondida dentro dos apaixonados. Sagrado é o brilho do olhar, o ensanduichar das mãos, o medo de quer mais.

A bebida! Talvez ela mesma seja a causadora da desobediência das pernas e das mãos. Não pelo teor enebriante do líquido, mas pela sua cor. É isso: homens-meninos tremem quando os olhos se deparam com a cor de sangue. Aquele vinho tinha a cor de sangue! Agora não há mais o que duvidar. A cor vermelha é a responsável por enviar adrenalina ao pulso.

O sangue é bem capaz de enfeitiçar! Conheço muitas histórias de bruxas que enfeitiçaram príncipes e homens-meninos com a magia do sangue. É assim: bruxas disfarçadas sentam-se à frente dos enfeitiçados. Olham bem em seus olhos e oferecem uma bebida doce, mas com a cor de sangue. Assim eles bebem, bebem. Mas, não sabem que estão saboreando a si próprios. Estão bebericando o passado só para viver intensamente. Viver quer dizer hoje, agora! Significa sentir na língua o gosto forte da bebida sagrada, e não ter medo de tremer. Porque o medo é assim: basta lançar um olhar em sua direção que ele se evapora. É verdade que precisa olhar firme, principalmente para dentro da janela.

Cada um é dono de uma janela. Muitas pessoas não sabem que possuem, e que podem expiar o passado por ela. Podem, também, olhar para aquilo que ainda não foi revelado, o futuro. Quem consegue expiar o futuro vira um bruxo. Não é tarefa fácil. É preciso querer, desejar, reservar tempo para contemplar as estrelas e a lua. É preciso ter sensibilidade, coragem e, sobretudo, não ter vergonha de chorar.

Já vi muitos homens-meninos chorarem o feitiço daquela bebida-sangue. Lutam, se debatem, desnecessariamente, contra seus efeitos. Mas, nada adianta, senão, entregar-se completamente às dores da paixão. Entregar-se! Esse é o único remédio. Pois, quando acontece a entrega é porque não se quer a posse. Quando há a entrega nada se espera, nem mesmo a ausência da própria dor.

Assim que descobrir o porquê dos tremores provocados pela magia da bebida sagrada, contarei a todos. Vou espalhar, juro! Assim, outras pessoas poderão saborear essa delícia: o descontrole da respiração, dos braços, das pernas, das mãos, do coração. É a liberdade do descontrole, o perder de si mesmo que transforma o homem-menino em um pássaro. Pássaro que voa, que encanta e que traz próximo quem está longe.
Celica Vebber

24 julho 2007

Arauto dos Conectos

Volto meus olhos para a luz
que sai do teu costado.
Os astros se ofuscam em tuas entranhas,
meu coração endurece no teu rítimo.
E a cabeça rodopia num intenso turbilhão de paixões.
O concreto que virou pó,
volta se juntar em tijolos herméticos, quadrados,
em dimensões exatas, em pesos idênticos.
E tua alma faiscante a dançar
nos delirios da grande obra.
Que circula e se anuncia
nos tortuosos caminhos de luz.
Na extremidade dos conectos,
essas dores comumgam
a infinita delicia de não estar só.

23 julho 2007

Apolinésia Encantada

Apolinésia. Meus pés já estiveram lá. É um lugar diferente e encantador. Lugar encantado a gente olha com os olhos do coração e não consegue explicar com palavras. Só com sorrisos. Lugares encantados escondem segredos, meninos que fazem poemas sem títulos e Lagoas Proibidas.

Não se apaixonar por alguém da Apolinésia é Lagoa Proibida. Proibido é algo roubado: rouba-se o direito de experimentar. No caso da Lagoa, rouba-se o direito de se banhar, de conhece a profundidade, a temperatura e a docilidade da água. No caso da paixão, rouba-se a possibilidade de perder-se. Sim, pois a paixão é uma lagoa que adentramos só para nos perder.
Todas as pessoas que se perdem, voltam mais interessantes e encantadas. Encanto mágico e contagioso. O toque, a pele, a saliva e o olhar são correntes transmissoras. É bem verdade que só é possível transmitir quem carrega uma história, um sonho e muita ousadia.
História, sonho, coragem – próprio de quem se aventura na Lagoa. Próprio de quem se apaixona, de quem não tem medo do proibido.
Tenho um amigo na Apolinésia. Mas, não gostei do que ele me disse: “aqui não poderá te apaixonar!” Ninguém, antes, havia me falado algo semelhante. Entendi que amigo é alguém que diz coisas que não gostamos e, mesmo assim, cultivamos o bem-querer.
Contrariada, pensei em ir embora. Já era tarde, no entanto. E à noite todo caminho se transforma. Parece empurrar o caminhante a tal Lagoa Proibida. Assim, fiquei mais um pouco, e o medo pulou dentro da minha alma.
- E se eu me perder? Eu te ajudo a não apaixonar, falou Andro.
Andro parece nome do bruxo, por isso não acreditei. Não se deve acreditar em bruxos porque eles enfeitiçam, principalmente quando alguém quer apaixonar. Então fechei meus olhos para ver alguma luz. Há momentos que a melhor maneira de ver é fechando os olhos.
Aos poucos o medo foi se definhando. Medo é esse Ente que chega de mansinho. Vai ficando, ficando só para se engraçar da nossa testa franzida. O medo mora na Lagoa Proibida.
O bruxo, de quem eu já desconfiava, também tem uma casa lá por perto. Ele, igual ao medo, pegou na minha mão. Eu deixei. Lembrei de um truque para não apaixonar. Mas, truques não se contam, nem se ensinam. Guardam-se como os segredos da Apolinésia.
Celica Vebber.

12 julho 2007

Pílulas de Conhecimento

Bide ou Balde! O mais dos mais pop está me dizendo algo. E deprimente e ao memso tempo revoltante admitir que a pasteurização me engoliu. Apaixonei-me pelo meu inimigo, o mercado.

Pense bem, quem sempre negou o mercado - apaixonado por ele. Que saudade da ignorância!

Na verdade, percebi que o mercado não é tão ruim assim como a tecnologia também não é ruim, eles são mecanismos criados por seres humanos, portanto refletem as vicissitudes humanas. É inevitável.

Uma boa dose de desapego é nescessário nessa hora. Sustentar-me centrado em objetivos definidos é fundamental, admitir o Caos é isso. Nada fácil.

Não há outra coisa mais humana que adminstrar o Caos e produzir ordem, conhecimento e orientação. Não me cabe mais negar a autoria, mesmo no cyberspaço, é o que me delimita como indivíduo.

A Pilula Vermelha! Entrei na Matrix de vêz e estou a procura do Bug.

Não adianta ligar, não vou atender o telefone!

09 julho 2007

Fetiches e outras coisas!

Ela me perguntou! Minhas unhas vermelhas despertam teu desejo?

Sim! Respondi de imediato sem pensar, nem tão pouco racionalizar. Simplesmente fugiu do peito este gemido.

Depois da volúpia desta confissão, não parei mais de pensar em tuas unhas. Em minhas fantasias.

Sempre entendi, o fetiche como algo que transcendia a matéria, um discurso que se agarra ao objeto. E como discurso carrega toda possibilidade de abarcar meu desejo, meus sonhos. Antes de você eu entendia hoje eu sinto.

Mas tuas unhas não são objetos como aqueles transformados a partir de matéria-prima e uma certa quantidade de trabalho. São objetos por que elas existem, por que posso tocá-las. E podem ferir-me, se estiverem afiadas.

Tuas unhas assumiram um discurso, quando pinceladas com esmalte vermelho. Assim como uma folha em branco assume as palavras, as frases, as idéias, o texto escrito em sua alvura.

Tuas unhas vermelhas solicitaram a intenção, uma vontade. Transmutaram em outra coisa que apenas proteger a ponta dos teus dedos.

Elas agora significam mais. E fazem da imaginação sua morada. São imagens da pura linguagem passeando pela minha mente. E o que a linguagem permitir, tuas unhas poderão ser em mim - meu fetiche.

Poderão ser o vermelho do fogo que coze o pão. Ou o sangue de uma vítima incauta. Ou ainda a força da paixão. Ou mesmo a sutilezas de um amor altruísta da mãe que debaixo da macieira pariu o filho marcando teu coração como um selo.

Um amor que se entrega simplesmente, sem querer nada em troca porque é tão forte quanto à morte. E que nem o rio consegue levá-lo em suas correntezas, e nem toda riqueza do mundo poderá compra-lo.

Tuas unhas são mais do que desejo ou fetiche. É Feitiço do qual não quero proteção. São garras das quais não tenho a menor pretensão de escapar. Mas não são tuas unhas meu maior Feitiço, é a pureza da alma.

Unhas vermelhas e Palavra, dupla perigosamente interessante!