Ana sem nome
Bem ali em baixo dos andaimes da reforma daquele prédio na Cidade Baixa onde a mulher atirou-se do sexto andar encontrei ela pela primeira vez.
Numa noite fria de inverno Porto Alegrense, daquelas que a umidade do ar faz os bueiros verterem vapor branco, borrifando o ar com minúscula gotículas de água.
Ela usava uma manta vermelha encobrindo parte do rosto, um casaco pesado de lã crua. Não lembro o que usava nos pés.
Ola, você é a Ana? A Ana do Chat? Perguntei, estendendo a mão para segurar aquela mão gelada que se pronunciava em minha direção.
- O vento fazia minhas orelhas doer.
Estou tão nervosa, é a primeira vez que faço isso. Eu também estou apreensivo, confessei. E por alguns segundos caminhamos sem ter consciência que caminhávamos nem pra onde nos dirigíamos. Só sentíamos que não poderíamos ficar ali, parados.
Olhando em volta meio que por instinto, como um bicho assustado tentando antecipar o ataque de um predador que se esgueira por entre ruelas e becos escuros – perguntou. Onde estamos indo?
Enquanto recobrávamos a lucidez andamos a esmo alguns intermináveis segundos. Depois que o coração desistiu de sair pela boca percebemos que nos dirigíamos para a rua da República. - Conheço alguns bares ali em frente.
- É, vamos! disse ela num sobressalto como se reconhecera algo de concreto entre nós além das mensagens que trocamos no ciberespaço.
Ótimo, um lugar comum no plano físico, na arquitetura da cidade, nos ângulos das casas velhas e dos edifícios quadrados. Referência sólida, espaço tridimensional, vida comum. Uma rua e um simples bar. Um bar que os dois conheçam, é isso que desejávamos agora.
Um bar com entrada lateral em forma de arco gótico e porta pesadíssima que rangiu ao ser aberta. Seu interior nada tinha a ver com a velharia que aparentava o lado de fora.
Um ar de fumaça, decorado com sutis toques orientais escritos nas paredes vermelhas em tinta preta “Paz é Guerra. Guerra é Paz”. Luminárias em bambu completavam o ambiente avermelhado. Espalhados entre as mesas redondas os mais diversos tipos de telas de computadores ligadas.
Ali no bar. O bar da estética dos dois mundos que se misturam numa harmonia perfeitamente concreta, permitiu toda a fluidez do Ciber, do volátil turbilhão das Info-vias aprisionado entre paredes. Ali, bem ali onde nos encontrávamos agora, os dois mundos estavam juntos. Pela primeira vez fisicamente.
Entramos, sentamos pedi um chocolate quente. Vou querer um também, apesar de calórico é bom neste dia de frio, disparou Ana.
Que loucura tudo isso. Tenho que revelar. Meu nome não é Ana. Esse é só o nick que uso para entrar nas salas de Bate-Papo. Gostei da sua sinceridade apesar de não ter dúvida alguma que usara pseudônimo. Não me surpreendeu!
Desculpe-me vocês. Em respeito a ela não revelarei o nome que me dissera naquele instante. Portanto seu nome é Ana, e a continuarei chamando assim.
Uso Ana como pseudônimo por não gostar do meu verdadeiro nome. É tão esquisito e todos o confundem. Aborrece-me muito ter que repetir várias vezes para que alguém possa compreender. Confidenciou enquanto levava a xícara fumegante até a boca.
“Hum”, é calórico! Mas ás vezes podemos nos permitir pequenos excessos. Confessou ela, inclinando delicadamente a cabeça para o lado, enquanto devolvia a xícara para a mesa.
Nossos olhares permaneceram juntos por mais tempo agora. E da expressão assustada dos minutos anterior só ficou a profunda negritude sóbria dos seus olhos.
Então! Estamos aqui um de frente para outro depois de teclarmos por horas a fio. Minha maior curiosidade foi saber como seriam seus olhos, cabelos, altura, peso....
Mas agora que te vejo e matei minha curiosidade tão rápido como um relâmpago, percebo a superficialidade desse desejo. Ao mesmo tempo em que satisfiz ele descobri que foram nossas idéias que nos trouxeram até este bar. Talvez a revolução que ainda vive em você, e que em mim já esta morta.
Falei em Lilit e do meu casamento rompido, meu filho e Cibercultura e da minha atração pelas cidades.
Ela de Cuba e das Brigadas de Trabalho, de um povo solidário e da injustiça que sofrem, que queria ser mãe e dos tempos de claustro, feminismo. Do fogo do ideal que ainda ferve seu sangue. Eu das minhas cinzas.
Tomamos Chocolate quente juntos.
Nos encontramos no outro dia. Ouvimos jazz, fumamos charuto, tomamos vinho, preparamos a revolução. Enterramos um pé do ideal na terra fértil, regamos com garoa fina. Reacendemos as cinzas.
E nuca saímos do bar fumaçento. Daquele lugarzinho onde esquentamos os ossos com uma xícara de chocolate quente. Sem passado sem presente. Apenas um ponto de contato entre a terra e as estrelas plantado ali no coração da Cidade Baixa.
Liandro J. Bulegon
Numa noite fria de inverno Porto Alegrense, daquelas que a umidade do ar faz os bueiros verterem vapor branco, borrifando o ar com minúscula gotículas de água.
Ela usava uma manta vermelha encobrindo parte do rosto, um casaco pesado de lã crua. Não lembro o que usava nos pés.
Ola, você é a Ana? A Ana do Chat? Perguntei, estendendo a mão para segurar aquela mão gelada que se pronunciava em minha direção.
- O vento fazia minhas orelhas doer.
Estou tão nervosa, é a primeira vez que faço isso. Eu também estou apreensivo, confessei. E por alguns segundos caminhamos sem ter consciência que caminhávamos nem pra onde nos dirigíamos. Só sentíamos que não poderíamos ficar ali, parados.
Olhando em volta meio que por instinto, como um bicho assustado tentando antecipar o ataque de um predador que se esgueira por entre ruelas e becos escuros – perguntou. Onde estamos indo?
Enquanto recobrávamos a lucidez andamos a esmo alguns intermináveis segundos. Depois que o coração desistiu de sair pela boca percebemos que nos dirigíamos para a rua da República. - Conheço alguns bares ali em frente.
- É, vamos! disse ela num sobressalto como se reconhecera algo de concreto entre nós além das mensagens que trocamos no ciberespaço.
Ótimo, um lugar comum no plano físico, na arquitetura da cidade, nos ângulos das casas velhas e dos edifícios quadrados. Referência sólida, espaço tridimensional, vida comum. Uma rua e um simples bar. Um bar que os dois conheçam, é isso que desejávamos agora.
Um bar com entrada lateral em forma de arco gótico e porta pesadíssima que rangiu ao ser aberta. Seu interior nada tinha a ver com a velharia que aparentava o lado de fora.
Um ar de fumaça, decorado com sutis toques orientais escritos nas paredes vermelhas em tinta preta “Paz é Guerra. Guerra é Paz”. Luminárias em bambu completavam o ambiente avermelhado. Espalhados entre as mesas redondas os mais diversos tipos de telas de computadores ligadas.
Ali no bar. O bar da estética dos dois mundos que se misturam numa harmonia perfeitamente concreta, permitiu toda a fluidez do Ciber, do volátil turbilhão das Info-vias aprisionado entre paredes. Ali, bem ali onde nos encontrávamos agora, os dois mundos estavam juntos. Pela primeira vez fisicamente.
Entramos, sentamos pedi um chocolate quente. Vou querer um também, apesar de calórico é bom neste dia de frio, disparou Ana.
Que loucura tudo isso. Tenho que revelar. Meu nome não é Ana. Esse é só o nick que uso para entrar nas salas de Bate-Papo. Gostei da sua sinceridade apesar de não ter dúvida alguma que usara pseudônimo. Não me surpreendeu!
Desculpe-me vocês. Em respeito a ela não revelarei o nome que me dissera naquele instante. Portanto seu nome é Ana, e a continuarei chamando assim.
Uso Ana como pseudônimo por não gostar do meu verdadeiro nome. É tão esquisito e todos o confundem. Aborrece-me muito ter que repetir várias vezes para que alguém possa compreender. Confidenciou enquanto levava a xícara fumegante até a boca.
“Hum”, é calórico! Mas ás vezes podemos nos permitir pequenos excessos. Confessou ela, inclinando delicadamente a cabeça para o lado, enquanto devolvia a xícara para a mesa.
Nossos olhares permaneceram juntos por mais tempo agora. E da expressão assustada dos minutos anterior só ficou a profunda negritude sóbria dos seus olhos.
Então! Estamos aqui um de frente para outro depois de teclarmos por horas a fio. Minha maior curiosidade foi saber como seriam seus olhos, cabelos, altura, peso....
Mas agora que te vejo e matei minha curiosidade tão rápido como um relâmpago, percebo a superficialidade desse desejo. Ao mesmo tempo em que satisfiz ele descobri que foram nossas idéias que nos trouxeram até este bar. Talvez a revolução que ainda vive em você, e que em mim já esta morta.
Falei em Lilit e do meu casamento rompido, meu filho e Cibercultura e da minha atração pelas cidades.
Ela de Cuba e das Brigadas de Trabalho, de um povo solidário e da injustiça que sofrem, que queria ser mãe e dos tempos de claustro, feminismo. Do fogo do ideal que ainda ferve seu sangue. Eu das minhas cinzas.
Tomamos Chocolate quente juntos.
Nos encontramos no outro dia. Ouvimos jazz, fumamos charuto, tomamos vinho, preparamos a revolução. Enterramos um pé do ideal na terra fértil, regamos com garoa fina. Reacendemos as cinzas.
E nuca saímos do bar fumaçento. Daquele lugarzinho onde esquentamos os ossos com uma xícara de chocolate quente. Sem passado sem presente. Apenas um ponto de contato entre a terra e as estrelas plantado ali no coração da Cidade Baixa.
Liandro J. Bulegon
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