21 junho 2009

Sensações de inverno


Tem coisas que só acontecem no inverno. Uma lareira, só pode ser uma lareira no inverno, no resto do ano fica ali, no canto, apagada.
Sentar em frente a uma lareira acesa nos remete direto ao principio da humanidade, mexe com os instintos mais primitivos. O fogo, enigmático, performático, dançando sobre os gravetos, liga algum botão escondido lá no fundo da nossa mente animal; ao olhar as labaredas e ouvir a lenha estalando, chegamos na porta do paraíso.
Em tempos de frio, entrar no paraíso é forrar o estômago. Já reparou como em temperaturas baixas o cardápio muda? Massas, sopas, carnes, comidas calóricas nos trazem o conforto para a alma. Ninguém consegue pensar em problemas quando está aquecido e com o estômago cheio. Abriram-se as portas do paraíso.

Outra delícia do inverno é o recolhimento. Se no verão, somos expansivos, no inverno, somos introspectivos. Compartilhar o momento de recolhimento é dividir intimidade.

Na minha casa chegaram amigos, cozinhei enquanto o frio lambia a vidraça. Rimos em cumplicidade, como a zombar dele. Bebemos a harmônia de aproveitar o instante. Forramos o estômago como se nada existisse la fora.
Calor, comida e amigos! Erguemos taças, estamos no paraíso. E o frio que fique lá fora, lambendo a vidraça.
Liandro J. Bulegon

24 abril 2009

Terra em trânsito

Diz assim, uma música de capoeira, “eu estive na Bahia, de lá sempre vou lembrar”. Pois é, eu estive lá e gostei!

Das belezas naturais daquelas praias é impossível falar mal. A comida baiana é muito saborosa, é claro, para quem souber dosar na pimenta. Que por sinal, está em toda parte, assim como berimbaus, orixás e fitinhas do Senhor do Bom Fim.

Existem dois tipos de baianos, os sérios e os espertinhos. Um não se importa muito com o outro, e os dois adoram os turistas, ou melhor, a cidade inteira respira turismo. Nunca fui tão bem recebido em qualquer outro lugar.

Impressionou-me a capacidade de comunicação dos baianos e, mais ainda, a disposição em dar informações, sem falar da docilidade daquele povo. Durante o tempo em que estive lá presenciei duas pessoas serem agressivas, nenhuma era baiana.

É muito bom viajar. Nunca voltamos os mesmos de uma viajem.

Liandro J. Bulegon

10 março 2009

Um café ao entardecer

Uma mulher de pele brilhante visitou meu quintal.
Floriu minha seresta ao dizer enquanto recobrava o equilíbrio.
Troca de cores o dia enquanto vai se transformando em noite...
A lua,
o vento.
A mágica do instante,
só e possível percebe,
quando estivermos abertos.
Ela passou num cometa,
num segundo
dois...

Ela volta?
Eu ando atrás: de dois segundos apenas.”

E em brumas da noite encantada,
na direção do leste desapareceu.
Nem ao menos olhou para trás,
para ver as luzes da cidade se apagar.

Liandro J. Bulegon

20 janeiro 2009

Valquírias

Por sob teus longos cabelos em trigais,

disfarças as sutilezas que apresentam deliciosos perigos.

Que das melhores armas, roubadas em luta franca, guardou embainhada no silêncio.

Armas forjadas nas lágrimas cristalinas que lamberam a tua face,

temperando o teu rígido ímpeto, como fosse aço forte.

E que quando deixaste amores, não temeu perder-se em suspiros.

Porquê na escolha das tuas vontades, benditas futilidades aplainaram teu sofrer.

Em campo de batalha, com vil desejo de luta,

teu corpo estremecer em prazeres, ao sentir o sangue ferver nas veias.

Liandro J. Bulegon

09 janeiro 2009

Vai ser bom pra mim

Quando menos se espera o amor bate a porta. Exatamente quando ainda atravessava ruas para não encontrar flores, o amor bateu a minha porta.

Entrou de mansinho, com cuidado, na ponta dos pés, cheio de reservas e aos poucos foi se alojando em meu peito em frangalhos. Deixei entrar!

Foi cultivado com muito zelo, carinho e liberdade. Liberdade em saber que ninguém é dono de outro alguém. E assim arrumou a casa, e se fez forte!

Cresceu de vagarinho, porque pássaro ferido tem medo de voar alto. Mas, confiando na parceria do vôo se lançou ao infinito, de mãos dadas, pra sentir toda a vertigem que a situação permite.

Um vôo feito de instantes e pequenos detalhes como: beijos ao acordar, um sorriso encantado, um olhar iluminado, um abraço apertado, a dificuldade em dizer tchau.

Como num passe de mágica o dia cinzento ficou colorido. E o cheiro de terra molhada, que vem nos braços do vento das chuvas primaveris, voltou a fazer sentido.

Vai ser bom pra mim, ficar só é tão ruim!

Liandro J. Bulegon

05 setembro 2008

Um instante apenas

Uma faca com a marca em cruz. O fio amolado que corta a carne e sangra o animal. A besta em vontade que no pranto se fez homem. E que em degolas destruiu castelos.

Um castelo que desmorona em escombros de reinados pueris. Para reis que se assenhoram dos pertences e zombam. Zombam da tua bondade. Zombam da tua vontade. Zombam da liberdade. E zomba em tuas entranhas.

Acoita tuas vagas cintilantes que escorrem em densos canais. Que deságuam em rios revoltos, em mares bravios. Tuas entranhas banhadas com o novo te entregam gosto do prazer.

Convida-me para o deleite de um bravio instante de suplicio. Um suplício que a vontade de liberdade transformou em prazer. Do sorriso largo do convite em malicia. Do deleite enquanto domina, controla, conduz, satisfaz o mais íngreme dos desejos. O mais terreno dos humores. O mais bravio do instinto.O mais decadente dos desejos.

Entrego-te o troféu, corôo-te em rosa vermelhas em roupas brancas, em pés descalços, em cetro de poder a dançar por entre teus dedos. Enquanto mostra-me os lábios úmidos!

Liandro J. Bulegon

18 agosto 2008

PERCEPÇÃO

Faço leituras desconstrutivistas,
libero minha criatividade,
agora ela não se admite negligenciada.
Concebo-me existência.
Que sensação!
Parecem surgir as respostas que antes
busquei até debaixo das pedras,
todas as pedras,
mesmo as dos sapatos.
Agora as idéias brotam na mente
e tudo que tenho a fazer
é perceber a tal existência.
A minha própria.
Existência.
Mesmo que ainda me questione
sobre sua diferença com a essência.
Há tempos essa dúvida me cerca.
Não sei ao certo.
Para mim o limite está nos “media”,
como tudo na modernidade.
Mas desconstrução, remete a renascimento
e ambos me recordam de Shiva
o Deus da Destruição,
Shiva: o transformador.
Apresentou-me a ele,
um certo contador de histórias
- entre pescadores e peixes encantados –
disse que eu me parecia com Shiva.
Talvez, em parte seja.
Mas preferira um dia ter sido Calipso,
e nos dias de maior fulgor,
quem dera ter sido Penélope,
para ganhar o amor de Ulisses.
Na verdade sou Maria,
só Maria,
a descobrir e viver.
Vou ao longe e retorno.
Quanto maior o percurso,
tanto maior a surpresa do retorno.
Sempre e eterno, inusitado retorno.
É muito bom olhar tudo
como se fosse a primeira vez,
ainda que por muitas e consecutivas vezes.
Nada é igual.
O paradoxo esta aí.
É a percepção da eterna descoberta
e a atenção,
atenção para comungar com a novidade.

By Maria Dulor