21 setembro 2007

Tradição é porteira aberta

Acabo de chegar em casa, venho lá do Acampamento Farroupilha, na Estância do Harmonia. O Parque Harmonia fica às margens do Rio Guaíba em Porto Alegre. É um Parque, mas em setembro vira uma Estância.

Para quem não é Gaúcho, ou nunca ouviu falar em Estância vou explicar. Estância para o Gaúcho é a Fazenda que o resto do país conhece. Gaúcho gosta de ser diferente!

Glênio Fagundez, apresentador do programa Galpão Nativo da TVE constantemente declara: “Se o Campo não anda bem a cidade vai mal.” Na base deste espírito o nativismo se fez ao longo dos anos. Alicerçado e constantemente alimentado pelos Centros de Tradições Gaúchas ganhou status de cultura as lidas do campo. Tornou-se religioso – ouvi falarem em Templo quando se referiram ao CTG. Não poderia surgir outro sentimento de um movimento que surge na tentativa de unificar a cultura.

O fato é que nem todo Gaúcho tem contato com o campo, com a terra, com as lidas campeiras. Dias atrás falando com um amigo meu que nasceu e se criou na Capital, afirmou “nunca tive contato com o campo, não me identifico com ele e não sinto saudade de lá, mas sou Gaúcho mesmo assim”. Concordei com ele!

Gaúchos caricatos é engraçado. Vemos por todo a lado desfilarem bombachas, vestidos de prenda, malas de garupa, arreios e cavalos na semana farroupilha. Avios que ficaram guardados o ano inteiro! A isso chamam autêntico? Eu chamo de representação o desfile de ícones. Uma cultura autenticamente feita de ícones.

Se isso não bastasse o Gaúcho foi um descalço, seu bolso não poderia bancar pilchas destas ai. A menos que fossem patrões. Só me leva crer que a vertente mais forte deste movimente é uma cultura autenticamente icônica de patrões.

Além da matriz cultural do Rio Grande ser descalça, é tão diversificada que a tentativa de unificar todas estas vertentes e colocá-las de baixo de um Galpão de Estância Estilizado se torna ridícula. Meu amigo citadino tem razão.

Não tiro o mérito. Ao longo do tempo a identidade se forjou nesta vertente. O reconhecimento de ser Gaúcho do Gaúcho fez o próprio Gaúcho, e isso é cultura. Isso é cultivar. Isso é manter a tradição, e o movimento fez isso muito bem. Mas não pode parar por ai.

Todo Gaúcho peleador sabe que as fronteiras sempre se moveram conforme as peleias dos tempos. No movimento tradicionalista também ocorre isso, as fronteiras devem mover-se para a batalha ser justa e se torna legítimo. Deve excluir, incluir e adaptar-se, do contrário se perde e definhar.

Na Estância do Harmonia, Gaúchos de todas as querências, dos quatro cantos do Rio Grande, de diversos Estados, de muitos sotaques brincam de ser Gaúchos e reafirmam o compromisso com a tradição. Numa Estância Imaginária reforçam os valores que nos identifica, que nos hermana. Lá nos piquetes, lugar que representa o campo ergue-se uma cidade. Temporária, mas ainda uma cidade.

Fala-se mais grosso lá, come-se churrasco lá, bebe-se cachaça lá, usa-se a faca atravessada na cintura. Veste-se de Rio Grande enquanto cavalos desfilam pelo Coração da Capital, marchando por ruas asfaltadas e disputando lugar com os automóveis.

Em setembro a cultura gaúcha está em festa de mãos dadas, em setembro é quando a cidade se faz campo, e o campo vira cidade no Rio Grande do Sul. Uma comunhão que não dá pra negar.

“Só não dá pra se emborracha de xenofobia a ponto de perde o cavalo”.

Liandro J. Bulegon