15 agosto 2007

Sobre a desobediência

Menina, não seja teimosa! Faça o que estou mandando. Cresci ouvindo esse imperativo. Crianças não deveriam teimar, aprendi na infância. Teimosia era uma coisa feia, passivo de punição, muitas vezes pública. Os teimosos eram constantemente ameaçados de serem delatados ao Papai Noel e, no natal, não receberem presentes.

Percebi, no entanto, que essas crianças tinham vantagens: seus desejos eram atendidos com mais eficiência do que as obedientes. As criaturas obedientes ficavam ali, engomadinhas, sentadas, esperando a palavra de ordem. As teimosas faziam-se livres, divertindo-se por romper o imperativo. Umas ganhavam elogios, outras, a liberdade da desobediência.

Crianças desobedientes foram desvendando limites - os seus e dos outros. Foram abrindo portas, construindo seu mundo, saboreando conquistas, experimentando o próprio potencial. Descobriram que riscos valem à pena: desafiar normas e, mesmo assim, ganhar presentes nas datas esperadas. Mas, era necessário bater-pé, cruzar os braços, fazer bico, derramar lágrimas, reclamar, arregalar os olhos e dizer: - eu quero!

É verdade que desobediência implica coragem. Coragem para dizer não e dizer sim, coragem para suportar voz grave, cara feia, castigos, dor de palmadas. Mas, coragem é isso: bravura, ousadia e persistência. Perseverar significa conservar-se firme, insistir, expressar idéias, expor sentimentos, mostrar-se. É isso: quem persiste, teima, desobedece as cercas e os limites, quem contesta - existe. Foram eles, os desobedientes e teimosos, os inventores da persistência. E, ninguém resiste à persistência!

Tenho um amigo teimoso. Acho que ele foi uma dessas crianças desobedientes. Cheguei a essa conclusão porque esse amigo tem um amor proibido. Desses que se carrega no peito, que se perde horas de sono e não se pode revelar a ninguém. Lutar por um amor já é difícil, quanto mais se for proibido. Só se for muito teimoso mesmo!

Penso nesse amor. Penso nele como se fosse uma borboleta em formação. Está no casulo, escondida, adormecida, ainda não tem asas, ainda não sabe voar, ainda precisa ficar enroscada nos fios do próprio esconderijo, nos emaranhados da própria vida. Mas, um dia sairá como borboleta. Acho que meu amigo sabe disso. Ninguém teima se não tem certeza. Por isso a persistência, a vigilância, a paciência.

Penso em meu amigo, em sua espera, em sua crença, em sua dor. Sim, pois esperar um amor despertar de suas amarras é ferida contemplada. Mas, como o amor é fé lambuzada de esperanças e sonhos, meu amigo teima. Uma teimosia que se faz coragem - bela igual lua cheia, em noite escura.

Celica Vebber